31 março 2009

O vinho do teu corpo

Como disse Américo Tomás "Só tenho um adjectivo: gostei!"
Mais informação sobre os Neruda, uma banda de Lisboa com uma sonoridade fantástica, aqui.




Bebo o vinho do teu corpo
Devagar como se a boca
Fosse uma flor onde o tempo
Desenha um mapa da vida
Corre o vinho do teu corpo
Nos lençóis da madrugada
E há carícias debruçadas
À janela do silêncio
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
E provo o vinho do teu corpo
Gota a gota e beijo a beijo
Como quem recolhe o sonho
De entre os dedos de um sorriso
Corre o vinho do teu corpo
Nos regatos do luar
Que hão-de vir desaguar
Mansamente nos meus braços
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
Bebo o vinho do teu corpo
Devagar e quase a medo
Na surpresa dos segredos
Copos cheios de prazer
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
Bebo o vinho do teu corpo
Bebo até morrer de sede
Gota a gota beijo a beijo

29 março 2009

Doce cumplicidade

Friso de Beethoven (pormenor), Gustav Klimt (1902)


O terno enroscar de dois corpos. Assim acabam por se encontrar. Invariavelmente.
A inevitabilidade do toque…
da carícia…
do entrelaçar de pés e pernas…
o encontro dos lábios mornos, sôfregos…
os olhares acesos em jeito de convite…
a pele na pele…
o tactear curioso das mãos nos recantos quentes e húmidos…
a descoberta hesitante, tímida...
Primeiro soltaram-se os bichos inquietos, depois foi a calma racional, gentil que uniu dois espíritos sedentos de intimidade.
“Dança comigo”, pediu ele e ela dançou. Dançou até lhe doerem todos os músculos do seu corpo.
E ao som da música dos sentidos o par, cego, foi tacteando cada curva, cada pedaço e assim descobrindo cheiros, sabores, olhares cruzados até ao abandono.
A dança prosseguiu ritmada, cúmplice. Eram apenas um homem e uma mulher, entregues um ao outro, a salvo do medo e imunes à malvadez do mundo.

23 março 2009

Ansiedade



Joana ama e sempre que ama, ama intensamente, sem nexo, até cegar, até que as entranhas se lhe enrodilhem de tanta ansiedade.

Joana quer muito e quer agora, já, porque a espera é demasiado insuportável, porque o coração cresce para lá do tamanho do peito, porque tem uma ânsia de ser acarinhado que vai para além do absurdo.

Joana recebeu ternura, um gesto simples que coroou o que já antecipara, e isso bastou para que o turbilhão tomasse forma e seguisse imparável.

Joana foi cativada e agora aquela "rosa" é já para si única no mundo e o seu perfume incomparável.

Joana quer tanto, que a vontade sai de si como raios de sol, umas vezes, como tempestade, outras.

Joana quer e deseja e suspira dolorosamente pelo perfume da "rosa" que a cativou sem querer, que a cativou apenas por ser!

19 março 2009

Para o meu pai...

"Já comprou alguma coisa para oferecer ao seu pai?", perguntou-me o senhor que me atendeu na estação de correios onde fui levantar uma carta registada. E aquela pergunta tão afável e inocente ficou a ressoar por breves segundos na minha cabeça e dei-me conta que o calendário marca o dia 19 de Março como dia do pai. "Infelizmente já não tenho pai", respondi com um sorriso amarelo.

Saí de lá meia atabalhoada a matutar no assunto e efectivamente tenho dificuldade em entender bem o que é sentir que se tem pai e comemorar-lhe a data. Julgo que o facto de nunca teres exercido plenamente o teu papel esteja de alguma forma relacionado com este meu sentimento.
Tentei recordar-me de lembranças de infância relacionadas contigo e nada! Nem um passeio, uma festa de anos, uma brincadeira, um Natal... E existem registos em película fotográfica de momentos destes, mas na minha memória, nada! A tua existência sim, a tua presença é que não...

Foi só depois da separação da mãe que foi forçosa a nossa aproximação. A obrigação filial assim o ditou e tu de repente, consciente de que estavas desprovido da estrutura que te sustentava, precisaste de mim. Fiz o que pude. Primeiro carregada de culpa por ter, de certa forma, compactuado com a fuga da mãe (acredita que foi o que considerei ser o mais prudente na altura; ainda hoje acho). Depois, com muita pena do homem prostrado, vergado pelo peso de se ver de repente só, abandonado e sem rede.

Daí para a frente tenho muitas recordações tuas, nossas, a grande maioria tristes, infelizmente. Mas são recordações de grande aproximação e em certa medida de reconciliação, de estreitamento de laços em que, admitamos, blood is thicker than water.

Sinto, muitas vezes, que fui egoísta, que não quis acompanhar-te todas as vezes que precisaste. Ainda hoje a dor de me ter vindo embora naquela tarde de Outubro quando me pediste para ficar mais um pouco, me persegue. É uma sombra que carrego no meu coração. Olhando para trás, parece-me que não teria sido assim um sacrifício tão grande, mas inexplicavelmente queria muito sair dali, sentia-me a sufocar. Desconhecia, porém, que nunca mais te voltaria a ver com vida, que aqueles momentos eram os últimos que passaríamos juntos. Às vezes penso se não saberias já e por isso me pediste para ficar mais um pouco...

Talvez por tudo isso te veja tantas vezes nas caras das pessoas na rua e siga no encalço de algumas delas para me assegurar que não és mesmo tu para te poder dizer "desculpa pai".

E tu sorririas para mim e isso só bastaria.

16 março 2009

GRAN TORINO



Em Gran Torino Clint Eastwood é Walt Kowalski, um veterano da Guerra da Coreia, homem duro, amargo, desconfiado que acabou de perder a mulher. O bairro onde vive é-lhe cada vez mais estranho dada a multiculturalidade dos actuais vizinhos que ele olha com desconfiança e hostilidade.São também estes os sentimentos que existem no interior da sua própria família e que faz com que os seus filhos e netos se afastem, contribuindo para um maior isolamento de Walt, apenas contrariado pela companhia da fiel cadela Daisy.

Um acontecimento transforma por completo a vida rotineira de Walt quando o jovem Thao, seu vizinho, incitado por um gang local, lhe tenta roubar o seu Ford Gran Torino de 1972 e é apanhado em flagrante. Dada a vergonha que Thao trouxe à sua família, este é forçado a trabalhar para Walt de forma a poder redimir-se.

É o início de uma amizade inesperada, em que Sue, a irmã de Thao, desempenha um importante papel, e que mudará a vida de todos. Com o tempo, estreitam-se os laços entre Walt e Thao (ou Toad como Walt "carinhosamente" o trata), fazendo com que o preconceito inicial de Walt se esbata gradualmente. Thao encontra em Walt a figura paternal que falta na sua vida, enquanto que Walt tenta compensar, através do jovem, a culpa que carrega pela barreira que colocou entre si próprio e a sua família.

Este é um filme sobre a amizade, o arrependimento e a redenção. O desempenho de Clint Eastwood excede todas as expectativas, revelando uma vez mais a sua mestria como actor e realizador. E até nos brinda com uma cantiguinha no final...

MILK



Milk é um filme que revelou, uma vez mais, a extraordinária capacidade de transformação de que Sean Penn é capaz. Mereceu, sem qualquer sombra de dúvida, o Oscar para melhor actor principal.

Embora o filme pudesse facilmente cair na tradicional narrativa americana do indivíduo colocado ao serviço de uma comunidade, Gus Van Sant consegue fugir a esse conceito mainstream.

Não obstante o mérito que Harvey Milk ganhou por ter sido o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo na administração pública nos Estados Unidos dos anos 70, em detrimento da sua vida pessoal e até à custa da sua própria vida, o realizador não deixa de mostrar os bastidores sórdidos da política e dos seus jogos de poder. Aqui é forçoso que se recorram a lobbies para se conseguir o que se quer, não escapando Milk a esta poderosa Máquina, ou não fosse ele um homem muito consciente do poder das palavras, do seu timing, da mobilização das massas e da força inquestionável dos media.

Contudo, o facto de Harvey Milk se ter constituído como o representante de uma comunidade incompreendida e perseguida, que precisava desesperadamente de um líder, contribuiu certamente para a conquista de direitos que lhe eram devidos e do respeito da sociedade que também ajudaram a construir.

O filme põe o público à prova e retira completamente o tapete dos estereótipos confortáveis, mas (in)conscientemente arrogantes, em que muitas vezes nos refugiamos. Apela sobretudo à tolerância, ao respeito pelos outros e pela diferença.

15 março 2009

Parabéns a mim!

Foi aos quinze dias do ido ano do Senhor de 1971 que, segundo reza a história, nasci. Foi de manhã, por volta das 9 horas, porque é de manhã que se começa o dia e assim ficou logo o assunto arrumado. Fui a primeira filha, primeira neta e primeira sobrinha na família. Só atenções, que sabem sempre bem, apesar de ter passado os meus primeiros quinze dias de vida a dormir na gaveta de uma cómoda, mas os tempos eram outros e mais difíceis.
Queria mesmo muito que se concretizasse o que prevê o meu horóscopo e que me surgissem surpresas agradáveis no campo amoroso, porque das outras já chega, tá?

12 março 2009

Carta à minha avó D

Grandmother, Marion C. Honors, CSJ

Vó, acho que no teu íntimo sabes que és a pessoa que assumiu o papel mais determinante na minha vida. Digo assumiu porque apesar de felizmente ainda estares entre nós, já não és a mesma pessoa. Do alto dos teus curvados 94 anos vives agora num universo paralelo que raras vezes se cruza com o meu.
Não é tanto a decadência física que te faz diferente da pessoa vigorosa e activa que sempre foste, mas antes a degeneração mental que cruelmente te roubou as memórias de quem te quer tanto bem e dos acontecimentos marcantes da tua vida: a morte do teu filho, meu pai; a viagem de 29 dias em barco para Moçambique; os dias de luta difícil contra o estigma de mulher divorciada e mãe solteira de uma criança com deficiência nos idos anos 40; a paixão silenciada e o amor vivido de forma clandestina durante décadas; a garra que te fez deitar uma porta abaixo para reclamar o homem que consideravas teu...
E observo os teus olhos meios enevoados, mas ainda vivos como os de uma criança, que me olham sorridentes, sem consciência do tempo ou do espaço ou de quem sou e do que represento, e o meu coração fica pequenino de tanta saudade de ti. Foste tu que me criaste e que fizeste com que nada me faltasse. Sei que, algures dentro de ti, tens orgulho no teu trabalho e na mulher que me tornei.
Digo-te sempre que te visito que "gosto muito de ti Vozinha; lembra-te que a tua neta nunca se esquece de ti". Digo-to junto ao ouvido para ter a certeza que registas cada palavra que o meu coração murmura, na secreta esperança que desta forma consigam chegar à pequena porção de consciência que ainda te prende a esta Terra.
E agora adorava voltar a ser pequenina outra vez e sentar-te no teu colo a cobrir-te de beijos, enquanto tu refilavas dizendo que eu era muito pesada e que o meu rabo era só ossos.
Gosto tanto de ti Vó!

Se fosse uma música dos U2, qual seria?

E curiosamente...

Da amizade perdida

O beijo de Judas (na Sagrada Família) - Barcelona - Espanha


Os que já foram tocados pela força de uma amizade verdadeira sabem que é algo de tão profundamente arrebatador que quando se perde a dor é lancinante. Tanto mais quando a perda se dá, não por morte (situação dolorosa que todos aprendemos a aceitar, uns melhor que outros, como uma etapa natural da nossa passagem por esta Terra), mas por deslealdade mesquinha.
Chegarmos à conclusão que aquela pessoa que considerávamos amiga nos traiu, uma e outra vez, das mais diversas formas, minando assim aquilo que pensávamos ser uma relação sólida e à prova de qualquer fenómeno, dói para além do suportável. Dói porque a sensação de vazio é imensa e faz um nó na garganta que não consegue impedir as lágrimas de cair. Lágrimas de tristeza imensa, de luto carregado e de raiva quase incontrolável a ponto de querer espancar, fazer magoar fisicamente para de certa forma conseguir aliviar a dor.
"Vamos seguir em frente!" foram as palavras proferidas secamente, sem qualquer ponta de sentimento, que me rasgaram como punhais, palavras que em poucos segundos me puseram as entranhas todas expostas para seu gáudio pessoal, que em poucos segundos fizeram implodir 20 anos de supostas cumplicidades e carinhosas lembranças! Nesse dia perdi alguém que me era querido. Na verdade não foi exactamente nesse dia. RC tinha morrido já, mas eu insistia em não querer ver a dura realidade.
Faça-se pois o luto, embora seja infinitamente mais difícil fazê-lo por alguém que se passeia no corpo que albergou o espírito agora desaparecido e que me era tão familiar.

05 março 2009

Máscaras todo o ano!


A hipocrisia e a falsidade que determinadas pessoas conseguem dominar com mestria acaba sempre por me surpreender. A sério que não consigo perceber como é possível que alguém que claramente não gosta de nós, consegue sorrir e parecer que é sincero. Por isso sei que nunca hei-de ir muito longe. Não consigo esconder o que me vai cá dentro. Sou traída pela minha linguagem corporal. É uma batalha entre a minha mente e todos os músculos da minha face, sempre a tentar dominá-los quando teimam em não me obedecer!
Pena que a vida nos obrigue a usar estas máscaras que não queremos.

04 março 2009

O regresso...


Nem queria acreditar, quando resolvi regressar, que mais de um ano já se tinha passado desde que resolvi abandonar este espaço. Também não sei dizer o que me fez voltar, mas acho que isso também não é importante. Ainda que ninguém me tenha visitado ou me venha a visitar, foi/é bom recordar aquilo que senti em determinada altura, o que me passava pela cabeça em certa ocasião, relembrar os acontecimentos que despoletaram sentimentos de alegria, cumplicidade, tristeza, dor. Julgo que isso nos ajuda a sentirmo-nos vivos e a perpetuarmos a nossa existência, deixar de certa forma a nossa marca neste mundo como quem escreve mensagens nas árvores que servirão de testemunhas da sua passagem para todo o sempre.

Sim, estive aqui!