13 agosto 2006

Eu, tu e todos os que conhecemos


Felizmente ainda fui a tempo de ver, antes que saísse de cartaz, Eu, tu e todos os que conhecemos a primeira longa metragem da realizadora Miranda July. Além de alguns comentários e críticas que tinha lido e que me despertaram a curiosidade, nada fazia supor que me surpreenderia tanto. Filmado de forma simples, aborda questões do dia-a-dia, aparentemente banais, sem qualquer tipo de presunção. A dificuldade de comunicação, a solidão, o desejo e o medo de amar e tudo o que gira à volta das relações humanas é-nos transmitido de uma forma singela, quase infantil, algures entre o trágico e o cómico.
Christine (interpretada pela própria Miranda July) é uma artista em busca do reconhecimento, que conduz um táxi para idosos. Numa das suas saídas com um dos idosos conhece Richard (John Hawkes), um vendedor de sapatos, a quem fica irremediavelmente ligada. Richard recentemente saído de um casamento falhado, entra em pânico com a abordagem de Christine. Apesar de confessar ao seu colega de trabalho que está preparado para que coisas extraordinárias lhe aconteçam, a dor ainda está muito fresca. Um mês antes, ele tentava desesperadamente "salvar a sua vida" imolando a sua mão pelo fogo, simbolizando, de certa forma, o fim da sua relação. Não será por acaso que só quando retira as ligaduras é que toma finalmente a decisão de telefonar a Christine. E como ele próprio diz You think you deserve that pain, but you don't.



Poderia facilmente ficar-se por um filme que se debruçasse apenas sobre a relação amorosa entre Richard e Christine, mas as questões quotidianas vão para além disso e chegam-nos através das restantes personagens. Os filhos de Richard algo perdidos que se envolvem em aventuras, um como cobaia de duas adolescentes no seu despertar para a sexualidade, outro num romance na Internet com uma perfeita desconhecida. Aliás a cena do encontro, no parque, entre uma mulher de trinta e muitos e uma criança de sete anos é absolutamente dolorosa. A solidão é gritante. O colega de Richard que se envolve num jogo de gato e rato com as duas adolescentes, ficando muito ténue a fronteira entre o erotismo e a pedofilia. A ex-mulher de Richard que precisa de uma camisola com coisas escritas que lhe digam que é maravilhosa, fantástica, bonita, etc. A vizinha de 12 anos que vive obcecada com o enxoval numa tentativa antecipada de evitar a solidão futura.

Este filme é inspirado por um desejo que eu tenho desde criança, um desejo de futuro, de ser encontrada, de que a magia desça sobre a vida e transforme tudo. É também informado pela forma como esse desejo foi evoluindo à medida que me fui tornando adulta, um bocado mais amedrontada, mais contorcida, mas não menos fantasticamente esperançada, confessou a autora.

A simplicidade desconcertante com que revela a complexidade das relações humanas (e não só), acompanhada de uma excelente banda sonora, valeram a este Me and You and Everyone We Know a Câmara de Ouro (melhor primeira obra) de Cannes 2005 e o Prémio Especial do Júri em Sundance 2005.

O site oficial - http://www.meandyoumovie.com/

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