12 março 2009

Carta à minha avó D

Grandmother, Marion C. Honors, CSJ

Vó, acho que no teu íntimo sabes que és a pessoa que assumiu o papel mais determinante na minha vida. Digo assumiu porque apesar de felizmente ainda estares entre nós, já não és a mesma pessoa. Do alto dos teus curvados 94 anos vives agora num universo paralelo que raras vezes se cruza com o meu.
Não é tanto a decadência física que te faz diferente da pessoa vigorosa e activa que sempre foste, mas antes a degeneração mental que cruelmente te roubou as memórias de quem te quer tanto bem e dos acontecimentos marcantes da tua vida: a morte do teu filho, meu pai; a viagem de 29 dias em barco para Moçambique; os dias de luta difícil contra o estigma de mulher divorciada e mãe solteira de uma criança com deficiência nos idos anos 40; a paixão silenciada e o amor vivido de forma clandestina durante décadas; a garra que te fez deitar uma porta abaixo para reclamar o homem que consideravas teu...
E observo os teus olhos meios enevoados, mas ainda vivos como os de uma criança, que me olham sorridentes, sem consciência do tempo ou do espaço ou de quem sou e do que represento, e o meu coração fica pequenino de tanta saudade de ti. Foste tu que me criaste e que fizeste com que nada me faltasse. Sei que, algures dentro de ti, tens orgulho no teu trabalho e na mulher que me tornei.
Digo-te sempre que te visito que "gosto muito de ti Vozinha; lembra-te que a tua neta nunca se esquece de ti". Digo-to junto ao ouvido para ter a certeza que registas cada palavra que o meu coração murmura, na secreta esperança que desta forma consigam chegar à pequena porção de consciência que ainda te prende a esta Terra.
E agora adorava voltar a ser pequenina outra vez e sentar-te no teu colo a cobrir-te de beijos, enquanto tu refilavas dizendo que eu era muito pesada e que o meu rabo era só ossos.
Gosto tanto de ti Vó!

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