19 março 2009

Para o meu pai...

"Já comprou alguma coisa para oferecer ao seu pai?", perguntou-me o senhor que me atendeu na estação de correios onde fui levantar uma carta registada. E aquela pergunta tão afável e inocente ficou a ressoar por breves segundos na minha cabeça e dei-me conta que o calendário marca o dia 19 de Março como dia do pai. "Infelizmente já não tenho pai", respondi com um sorriso amarelo.

Saí de lá meia atabalhoada a matutar no assunto e efectivamente tenho dificuldade em entender bem o que é sentir que se tem pai e comemorar-lhe a data. Julgo que o facto de nunca teres exercido plenamente o teu papel esteja de alguma forma relacionado com este meu sentimento.
Tentei recordar-me de lembranças de infância relacionadas contigo e nada! Nem um passeio, uma festa de anos, uma brincadeira, um Natal... E existem registos em película fotográfica de momentos destes, mas na minha memória, nada! A tua existência sim, a tua presença é que não...

Foi só depois da separação da mãe que foi forçosa a nossa aproximação. A obrigação filial assim o ditou e tu de repente, consciente de que estavas desprovido da estrutura que te sustentava, precisaste de mim. Fiz o que pude. Primeiro carregada de culpa por ter, de certa forma, compactuado com a fuga da mãe (acredita que foi o que considerei ser o mais prudente na altura; ainda hoje acho). Depois, com muita pena do homem prostrado, vergado pelo peso de se ver de repente só, abandonado e sem rede.

Daí para a frente tenho muitas recordações tuas, nossas, a grande maioria tristes, infelizmente. Mas são recordações de grande aproximação e em certa medida de reconciliação, de estreitamento de laços em que, admitamos, blood is thicker than water.

Sinto, muitas vezes, que fui egoísta, que não quis acompanhar-te todas as vezes que precisaste. Ainda hoje a dor de me ter vindo embora naquela tarde de Outubro quando me pediste para ficar mais um pouco, me persegue. É uma sombra que carrego no meu coração. Olhando para trás, parece-me que não teria sido assim um sacrifício tão grande, mas inexplicavelmente queria muito sair dali, sentia-me a sufocar. Desconhecia, porém, que nunca mais te voltaria a ver com vida, que aqueles momentos eram os últimos que passaríamos juntos. Às vezes penso se não saberias já e por isso me pediste para ficar mais um pouco...

Talvez por tudo isso te veja tantas vezes nas caras das pessoas na rua e siga no encalço de algumas delas para me assegurar que não és mesmo tu para te poder dizer "desculpa pai".

E tu sorririas para mim e isso só bastaria.

3 comentários:

Luís Galego disse...

muito bonito...

Anónimo disse...

sem palavras e com uma lágrima por dentro.
beijo doce
S

A disse...

Obrigada.

Voltem sempre.